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Após veto ambiental, projeto de mineradora da China está na iminência de ser aprovado em MG

 Projeto Bloco 8, da chinesa Sul Americana de Metais, ameaça os recursos hídricos de uma região com pouca chuva e pode afetar mais de duas mil famílias.

Extração de minério de ferro (Foto: Pixabay)

Um megaprojeto de mineração no norte de Minas Gerais, que engloba uma mina de minério de ferro, duas barragens de rejeitos e um mineroduto de 482 quilômetros, voltou à pauta. Batizado de Projeto Bloco 8, ele está orçado em US$ 3,5 bilhões e pertence à Sul Americana de Metais (SAM), uma empresa de capital chinês ligada à Honbridge Holdings, com sede em Hong Kong. Questões ambientais, como o enorme impacto causado às comunidades locais e o alto consumo de água em uma região semiárida, travaram o empreendimento no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) durante anos. Mas ele voltou a caminhar em 2019 e está na iminência de ser aprovado, agora pela Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável) mineira.


Em março deste ano, o Ministério Público de Minas Gerais recomendou a suspensão do licenciamento do projeto, sob alegação de que são necessários estudos complementares sobre o impacto ambiental. Assim, as audiências públicas agendadas para o final daquele mês foram inicialmente canceladas. Porém, já têm novas datas: 10 de maio, na cidade de Grão Mogol, e 11 de maio, na vizinha Fruta de Leite.


“A gente sabe que a audiência publica é só um procedimento formal e que, quando ela acontece, é porque o processo está pronto para ser licenciado. Com essa audiência pública, o Estado está dizendo que vai licenciar o projeto, mesmo sem ter realizado o procedimento de consulta às comunidades tradicionais geraizeiras”, disse a advogada Larissa Vieira, do Coletivo Margarida Alves, que presta assessoria jurídica a grupos sociais.

A mina e o mineroduto

Para viabilizar a extração do minério, está prevista a construção de uma tubulação de cerca de 482 quilômetros que transportará o minério diluído em água desde Grão Mogol, em Minas, até Ilhéus, no Estado da Bahia. O orçamento dessa obra é de US$ 1,4 bilhão, mais US$ 2,1 bilhões da mina e das barragens.


Na análise inicial, os técnicos do Ibama disseram em despacho que não se poderia avaliar separadamente a mina e o mineroduto. Seria necessário avaliar o impacto de ambos como uma coisa só. E destacaram alguns dos problemas que o mineroduto causaria, entre eles as remoções de comunidades afetadas e a supressão de cerca de 70 nascentes de água numa área com baixos níveis de precipitação.


“O mineroduto é de uso exclusivo da atividade minerária e, portanto, não pode ser implantado ou operado isoladamente sem que haja uma mina em operação. Desse modo, não faz sentido proceder o licenciamento de um mineroduto sem que se saiba se a mina possui viabilidade ambiental atestada”, dizia despacho do Ibama.


Até aquele momento, a análise do impacto ambiental ainda estava a cargo do Ibama, que em 2016 vetou o projeto integralmente, mina mais mineroduto. Em dezembro de 2018, a SAM criou uma empresa nova, a Lotus, e apresentou novo pedido de licenciamento, somente para a tubulação. O Ibama voltou a vetar, já em junho de 2019. Só que o jogo virou ainda naquele ano, quando o atual presidente do órgão, Ricardo Bin, atendeu a um pedido da mineradora chinesa e determinou que as duas obras fossem avaliadas separadamente.


Em despacho assinado em 26 de julho de 2019, obtido pelo site The Intercept Brasil, Bin afirmou que “entende-se cabível o licenciamento da mina de forma apartada do mineroduto”. E repassou a missão de licenciar a tubulação, antes a cargo do Ibama que ele comandava, ao governo de Minas Gerais, através da Semad, onde está atualmente sendo debatido.


O impacto do projeto

Uma das principais preocupações ambientais ligadas ao Bloco 8, já destacada pelo Ibama, é o impacto que ela causará a 70 nascentes de água em uma região que sofre com a seca. O mineroduto tende a contaminar a água com os metais da mineração, atingindo famílias que vivem do extrativismo e da agricultura familiar. De acordo com o Coletivo Margarida Alves, o Bloco 8 atingirá cerca de 2,2 mil famílias de 11 comunidades.


“A água está em disputa, e não queremos que ela sirva para empurrar minério em uma região carente desse recurso”, disse em dezembro de 2019 a deputada estadual Leninha Alves (PT), que continua a contestar o projeto. “Esse tipo de empreendimento predatório não vale o custo para a população”.


Há ainda o temor com a barragem de rejeitos, que tem cerca de 100 vezes o tamanho daquela que se rompeu e destruiu Brumadinho em janeiro de 2019, matando 270 pessoas.


Em defesa do projeto, a SAM disse em comunicado distribuído à imprensa que ele foi “desenvolvido para ser sinônimo mundial de segurança e inovação” e que fornece “soluções para a disponibilidade de recursos hídricos”, tendo o “compromisso de promover uma plataforma para o crescimento econômico e social da região”.


A empresa destaca, ainda, que serão gerados 6,2 mil novos empregos diretos “durante o pico da fase de implantação do Projeto Bloco 8”, e mais 1,1 mil empregos “durante sua operação, com produção anual de 27,5 milhões de toneladas de minério de ferro concentrado”.


Projeto chinês

Nos últimos anos, têm sido frequentes os problemas em projetos de mineração de empresas chinesas mundo afora, sobretudo na África. E, embora a SAM seja devidamente registrada no Brasil, com CNPJ ativo desde 2006, ela tem dois cidadãos chineses como sócios, Yongshi Jin e Wei Liu. Ambos também estão listados como executivos da chinesa Honbridge Holdings, de Hong Kong. O paralelo entre os casos registrados no exterior e o projeto em desenvolvimento no Brasil é inevitável.


Em 2009, moradores da região de Marange, no Zimbábue, foram retirados de suas terras pelo governo para dar lugar a empresas de mineração chinesas. Em julho do ano passado, surgiram relatos de que os deslocados vivem em uma área do governo que não oferece sequer água potável.


Um representante do grupo disse na ocasião que, embora a responsabilidade pelos cidadãos seja do governo, a mineradora também deve ser cobrada. “Quando se trata de recursos naturais e governança, as empresas de mineração devem assumir a responsabilidade e garantir que as comunidades onde operam tenham acesso a informações, assistência médica e outras necessidades básicas”, disse Tawanda Mufute.


Já em setembro de 2021, o governo da República Democrática do Congo anunciou que iria revisar um bilionário acordo de mineração estabelecido com investidores da China. Maior produtor mundial de cobalto e líder em exploração de cobre entre as nações africanas, o país alega que os acordos não são suficientemente favoráveis.


A China é dona de cerca de 70% dos acordos de mineração no país africano, superando a concorrência de empresas ocidentais em grandes projetos. Três empresas da China concentram os principais acordos de mineração da RD Congo, todos contestados pela falta de transparência.


Já neste ano, em março, os militares que assumiram o poder na Guiné, após o golpe que derrubou o ex-presidente Alpha Condé, paralisaram as operações no projeto Simandou, considerado um dos maiores depósitos de minério de ferro do mundo. Beijing tem participação de 40% no consórcio, atrás apenas da anglo-australiana Rio Tinto, com 45%.


A obra vinha sofrendo atrasos devido a disputas sobre a propriedade e à lentidão na construção de uma ferrovia de 650 quilômetros que transportaria os elementos extraídos para os portos guineenses. Já o presidente interino Mamady Doumbouya alegou não estar claro como a mina teria contribuído para os interesses da nação africana. 


A posição da ONU

Até o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), o português António Guterres, entrou no debate sobre o impacto global da mineração. Em maio do ano passado, ele afirmou que a extração de metais e de outras matérias-primas valiosas deve sempre levar em conta três fatores: recursos disponíveis, ecossistemas e as pessoas envolvidas no processo. Ele pediu uma melhor distribuição dos lucros da mineração e mais atenção ao impacto ambiental.


“É preciso ter em consideração as necessidades e os direitos de mulheres, povos indígenas, comunidades locais e outras partes interessadas”, disse ele. Segundo Guterres, é uma “responsabilidade compartilhada” garantir que “os benefícios dos recursos minerais alcancem todas as pessoas na sociedade, não apenas as elites, salvaguardando o ambiente natural hoje e para as gerações futuras”.

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