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Erasmo Carlos, pioneiro roqueiro que de mau tinha somente a fama, deixa obra gigante e afetuosa

Sem jamais ter ficado à sombra de Roberto Carlos, com quem fez parceria fundamental, o 'Tremendão' fica imortalizado por discografia atravessada pelo amor às mulheres e ao rock'n'roll.


♪ OBITUÁRIO – Se a inesperada partida de Gal Costa (1945 – 2022) deixou bamba a mesa que sustenta os integrantes do quarteto Doces Bárbaros, como sintetizou Maria Bethânia em analogia corroborada por Caetano Veloso em entrevista dos artistas ao programa Fantástico (Globo), a morte de Erasmo Carlos, na manhã de hoje, desequilibra a base do rock brasileiro.

Pedra fundamental na construção do gênero norte-americano em solo brasileiro, o pioneiro Erasmo Esteves (5 de junho de 1941 – 22 de novembro de 2022) vivenciou a cultura do rock no subúrbio da cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) assim que a revolução sonora capitaneada por Elvis Presley (1935 – 1977) nos Estados Unidos ecoou na mente de jovens cariocas que detectaram no som de Elvis, Jerry Lee Lewis (1935 – 2022) e Little Richard (1932 – 2020) a mais completa tradução da rebeldia que sonhavam ter.

Ao morrer aos 81 anos, Erasmo ainda parecia apegado ao sonho do menino roqueiro que, no balanço frenético das horas, integrou entre 1957 e 1961conjuntos juvenis como The Sputniks – do qual participava também o futuro amigo de fé e parceiro Roberto Carlos, além do invocado Tim Maia (1942 – 1998) – The Boys of Rock e The Snakes.

Foi como integrante desse grupo The Snakes que Erasmo debutou no mercado fonográfico em julho de 1960, com o single de 78 rotações que trazia as músicas Pra sempre (Forever) e Namorando. Esse histórico single saiu três anos antes de o cantor gravar discos como crooner do conjunto Renato e seus Blue Caps.

Com a implantação do reino pop da Jovem Guarda, a partir de agosto de 1965, Erasmo ganhou fama e virou popstar em carreira solo que começara em maio de 1964 com a edição do single Jacaré / Terror dos namorados e que ganhara impulso a partir de outubro de 1964 com o lançamento do single que apresentou o rock Minha fama de mau.

Só que, de mau, Erasmo sempre teve somente a fama alardeada no rock. No trato com as pessoas e o mundo, Erasmo era gentil, doce. Um gigante (pela altura) gentil, como foi apelidado. E como bem pode ser caracterizada a obra humanista que o artista deixa para a posteridade ao sair de cena.

Aberta em 1963 com o rock Parei na contramão, a fundamental parceria de Erasmo com Roberto Carlos conciliou dois universos musicais distintos, ainda que ligados pelo rock e pelo romantismo. Tanto que a discografia de Erasmo evoluiu bem diferente da obra fonográfica de Roberto.

Se as diferenças eram menos nítidas na era da Jovem Guarda, quando Erasmo virou o Tremendão e lançou álbuns como A pescaria com Erasmo Carlos (1965) e Você me acende (1966), discos repletos de testosterona e rebeldia ingênua, elas ficaram mais explícitas ao longo dos anos 1970.

Nessa década em que Roberto virou o rei da canção romântica, Erasmo amadureceu, se permitiu ser hippie, caiu no samba-rock, fez alusões a maconha e enveredou pelo soul e pelo funk, sem jamais renegar o rock, em álbuns que o dissociaram do universo pueril da Jovem Guarda.

Dessa fase de virada, iniciada com o álbum Erasmo Carlos e Os Tremendões (1970), o disco mais cultuado é Carlos, Erasmo... (1971). Mas os maiores hits radiofônicos – Sou uma criança, não entendo nada (Erasmo Carlos e Ghiaroni, 1974), Filho único (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1976) e Panorama ecológico (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1978) – apareceram nos álbuns 1990 – Projeto salva Terra! (1974), Banda dos Contentes (1976) e Pelas Esquinas de Ipanema (1978),

respectivamente.


Erasmo Carlos se manteve em alta durante a primeira metade dos anos 1980. Iniciou a década com o disco de duetos Erasmo Carlos convida... (1980) – no qual deu vozes a algumas das mais famosas canções do Roberto (que também eram dele) com Gal Costa, Maria Bethânia, Tim Maia e o próprio Roberto Carlos – e obteve pico de popularidade com o álbum seguinte, Mulher (1981), em cuja ousada capa apareceu sendo amamentado pela mulher Sandra Sayonara Esteves (1946 – 1995), a Narinha, musa de todas as estações e várias canções. Foi o disco da canção-título Mulher (Sexo frágil) (1981) e do rock Pega na mentira (1981).


Erasmo manteve o sucesso no álbum seguinte, Amar para viver ou morrer de amor (1982), do qual saiu o instantâneo clássico Mesmo que

seja eu (1982). O álbum Buraco negro (1984) rendeu mais um sucesso radiofônico para o cantor, Close (1984), de letra inspirada na travesti Roberta Close, celebridade da época.


A partir da década de 1990, a discografia de Erasmo perdeu impulso diante do desinteresse das gravadoras, mais voltadas para gêneros como axé e pagode. Tanto que, nessa década, o cantor lançou somente dois álbuns, Homem de rua (1992), com músicas inéditas apresentadas sem repercussão, e o revisionista É preciso saber viver (1996).


Mas o roqueiro de espírito fraterno e sempre jovial entrou no século XXI com fôlego renovado. Entre discos ao vivo, o Tremendão renovou o repertório com os álbuns Pra falar de amor (2001), Santa música (2003) e Rock'n'roll (2009).

Produzido por Liminha, que deu o devido polimento a parcerias inéditas de Erasmo com Nando Reis e Nelson Motta, o jovial álbum Rock'n'roll abriu trilogia revigorante que gerou os álbuns Sexo (2011) – novamente sob a batuta de Liminha – e Gigante gentil (2014), este feito com Kassin.


Com o fôlego renovado, Erasmo lançou em 2018 um dos melhores álbuns da vasta obra, ...Amor é isso, gravado sob direção artística de Marcus Preto, também mentor do 33º e último álbum do Tremendão, O futuro pertence à... Jovem Guarda (2022), produzido por Pupillo e lançado em fevereiro com músicas da Jovem Guarda até então nunca gravadas por Erasmo, casos de Alguém na multidão (Rossini Pinto, 1965) e Tijolinho (Wagner Benatti, 1966), destaques de disco agraciado com o Grammy Latino na semana passada.

 Erasmo teve tempo de celebrar o prêmio, mas não teve tempo de gravar o álbum de músicas inéditas que já planejara fazer com Marcus Preto.


Pilar do rock brasileiro quando o país ainda nem tinha um mercado de rock propriamente dito, Erasmo Carlos foi gigante que jamais ficou à sombra de Roberto Carlos. Gigante gentil como a obra afetuosa, atravessada pelo amor às mulheres e à natureza. E marcada pelo culto a esse tal de rock'n'roll, paixão juvenil que acompanhou o artista por toda a vida.


Por Redação

Fonte G1.com

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