A escala impressionante da epidemia e a infiltração do fentanil nas comunidades são reveladas num novo estudo.
Cada vez mais americanos morrem por overdose de fentanil, à medida que uma nova onda da epidemia de opioides começa a se espalhar pelas comunidades dos quatro cantos do país.
Há seis anos, Sean morreu de uma overdose acidental por fentanil em Burlington, no Estado de Vermont. Ele tinha 27 anos.
"Cada vez que ouço falar de uma perda devido ao abuso de substâncias, meu coração se parte um pouco mais", escreveu a mãe dele, Kim Blake, em um blog dedicado ao filho.
"Mais uma família despedaçada. Sempre de luto pela perda de sonhos e celebrações."
Neste ano, os Estados Unidos testemunharam um marco sombrio: pela primeira vez, as overdoses mataram mais de 100 mil pessoas em todo o país num único ano.
Dessas mortes, mais de 66% estavam ligadas ao fentanil, um opioide sintético 50 vezes mais poderoso que a heroína.
O fentanil é um produto farmacêutico que pode ser prescrito por médicos para tratar dores intensas.
Mas a droga também é fabricada e vendida por traficantes. A maior parte do fentanil ilegal encontrado nos EUA é traficado a partir do México e usa produtos químicos provenientes da China, de acordo com o Drug Enforcement Administration (DEA), órgão federal encarregado da repressão e do controle de narcóticos
Em 2010, menos de 40 mil pessoas morreram por overdose de drogas em todo o país, e menos de 10% dessas mortes estavam ligadas ao fentanil.
Naquela época, as mortes eram causadas principalmente pelo uso de heroína ou opioides prescritos por profissionais de saúde.
A mudança de cenário é detalhada num estudo divulgado recém-publicado por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA).
O trabalho examina as tendências nas mortes por overdose no país entre 2010 e 2021, utilizando dados compilados pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA.
Um problema que atravessa classes sociais
A crise dos opioides tem sido tradicionalmente retratada como um "problema dos brancos", destaca Shover.
No entanto, o estudo recente revelou que os afro-americanos estão morrendo ao combinar fentanil e estimulantes a taxas mais elevadas, em todas as faixas etárias e limites geográficos.
Para Rasheeda Watts-Pearson, especialista em redução de danos baseada em Ohio, nos EUA, os dados refletem o que é visto na prática.
Ela faz um trabalho de divulgação com a A1 Stigma Free, uma organização fundada há apenas oito meses para combater um aumento notável de mortes por overdose na comunidade afro-americana de Cincinnati.
Como parte do trabalho, Watts-Pearson visita frequentemente barbearias, bares e mercearias para falar com as pessoas sobre os impactos do fentanil.
Ela considera que há falta de conscientização sobre o tema, motivada em parte pelas disparidades históricas de saúde vivenciadas por grupos raciais e étnicos.
Mesmo as campanhas de marketing feitas para conscientizar sobre a crise dos opioides não incluem a experiência dos negros americanos, critica ela.
"Se eu dirigir até a cidade de Avondale agora mesmo, há um outdoor que fala sobre a 'Crise dos Opioides', mas na mensagem aparecem duas pessoas brancas”" exemplifica Watts-Pearson.
Ela aponta que as drogas misturadas com fentanil são uma grande barreira para a comunidade. Segundo a ativista, muitas pessoas acabam consumindo o entorpecente sem saber — e desenvolvem uma dependência.
"Os legistas veem pessoas com overdose que morreram por causa de cocaína, crack e vestígios de fentanil", diz ela.
"Isso está infiltrado na comunidade negra e não há gente suficiente falando sobre o assunto."
Uma quarta onda
O abuso de fentanil em combinação com outras drogas marca o início de uma "quarta onda" da crise nos EUA, avaliam os pesquisadores.
A primeira onda de overdoses aconteceu no final dos anos 1990, com mortes por opioides com prescrição médica. Em 2010, houve uma segunda onda de overdoses, dessa vez causadas por heroína. E em 2013, surgiu uma terceira onda, graças à proliferação de drogas ilícitas análogas ao fentanil.
Especialistas como a professora Shover alertam que as opções de tratamento para a quarta onda não acompanham a demanda.
"Nosso sistema de tratamento contra dependência geralmente se concentra em uma droga de cada vez", conta ela.
"Mas a realidade é que muitos usuários usam mais de um tipo de droga."
Para manter viva a memória de seu filho, Blake decidiu falar abertamente sobre a perda e tenta ajudar outras famílias a passar pela mesma dor.
"Todo mundo tem uma história e, para um pai que perdeu um filho, isso dura para sempre", diz ela.
Seu filho fez tratamentos contra dependência algumas vezes.
A experiência ensinou à Blake que as opções terapêuticas variam de Estado para Estado e, em muitos casos, o que está disponível não é suficiente.
"O ideal seria que as pessoas recebessem tratamento rapidamente, sempre que quisessem e a longo prazo", destaca ela.
Blake também sugere a criação de locais para a prevenção de overdose, onde as pessoas pudessem usar drogas com segurança e sob supervisão.
Esses lugares estão amplamente disponíveis no Canadá — que tem a sua própria crise de fentanil — mas existem apenas duas instalações do tipo nos EUA inteiro.
Acima de tudo, Blake apelou à compaixão e à compreensão para aqueles que lutam contra o uso de substâncias.
"A maioria das pessoas com quem converso dizem que seus filhos não queriam morrer."
Por BBC
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